quarta-feira, 10 de junho de 2020

Maternidade real

      Eu já tinha tido contato com o trabalho da Tati Bernardi pelas colunas que ela escreve e no livro "Depois a louca sou eu" que li um pouco para entender o drama de uma amiga muito próxima e também por perceber que as fobias e os medos são o grande desafio da nossa época.
     Acho o trabalho dela de uma sinceridade e de uma leveza muito gostosa, principalmente, para tratar de assuntos que todo mundo acha tão pesados, como a síndrome do pânico. 
Quando vi que ela tinha lançado um livro sobre maternidade fiquei doida pra ler.
      Na semana passada me inscrevi em um curso de escrita criativa e ela falou muito sobre o livro sobre um gênero que eu não entendia muito bem como funcionava: a autoficção.
       Eu tenho intimidade com as autobiografias, aliás, que já comentei aqui: adoro! 
      Causou estranheza quando ouvi que o livro não era autobiográfico, mas sim uma autoficção que seria um gênero apenas inspirado na própria experiência mas com vários elementos de ficção que não refletem necessariamente a realidade da vida de uma pessoa.
    Só lendo o livro entendi bem o que era isso, porque ao mesmo tempo que ele passa muitas situações que só podem vir de uma experiência muito pessoal, sobre a condição feminina durante a gestação, tem uma personagem ali com um nome próprio, uma existência distinta que cria muito espaço para a ficção.
       Adorei conhecer essa forma de escrita e entender melhor como ela se processa.
      O curso de escrita criativa da Tati Bernardi vale cada centavo, é muito instigante ouvir ela falando sobre o processo de criação dela, dando referências sobre esse estilo...estou com material para pesquisar o resto do ano depois dessa aula de duas horas com ela.
     Bom, mas aí a primeira coisa que peguei pra ler depois do curso foi o livro "você nunca mais vai ficar sozinha", editado pela Companhia das Letras.
     É muito bom ler alguém narrando a experiência da gravidez fora do padrão idealizado que a mídia faz questão de exibir. É fundamental falar que não é desse jeito pra todo mundo (sinceramente não acredito que seja para ninguém...mas essa é só minha opinião). É urgente falar sobre a dificuldade dessa transição da posição de filha, da qual não queremos desapegar, para de mãe, que vem cheia dos paradigmas trazidos pela principal ocupante dessa função até então: a nossa mãe.
     Não ajuda em nada quem diz que essa é a "melhor etapa da vida de uma mulher", que vc "precisa aproveitar pra dormir agora", que "vai sentir saudade de quando ficava o tempo todo pertinho dele". 
    E quanto antes a gente se der conta de que tudo bem não dar conta de todos os sentimentos, dúvidas, frustrações, que isso não significa que não estamos felizes, que ainda há espaço pra amor e felicidade nesse turbilhão, melhor pra gente.
     Há um milhão de coisas maravilhosas na maternidade, mas há também prematuridade, imprevistos durante o parto, dificuldade em amamentar, falta de tempo pra gente, saudade da vida como ela era, um sentimento de dependência, um não querer se separar dele, mas ao mesmo tempo precisar ter o corpo de volta pra si...há muito mais que o ensaio fotográfico (e by the way, minhas melhores fotos de grávida foram tiradas pelo meu marido ou pela minha mãe).
     Eu acho que quanto mais se falar em maternidade real melhor, menos frustrante para as próximas gerações, mais normal ela se torna.
     O livro tem esse enfoque na gravidez, faz a gente lembrar da nossa própria experiência, do nosso próprio referencial de maternidade. 
     No que diz respeito à relação com a mãe, embora minha experiência seja totalmente diferente, também foi bom refletir o quanto dela há na minha maternidade, porque é difícil separar mesmo...a gente tem aquela imagem maravilhosa do que foi a nossa mãe e isso cria duas coisas difíceis: ser uma mãe como ela e julgar as outras mães por ela, o que não é justo com ninguém.
     A minha mãe era perfeita, dedicação exclusiva, focada na minha felicidade, sempre de braços abertos para mim, se anulando por mim e pelas minhas irmãs a vida toda. Tudo que eu achava que precisaria fazer pra ser a boa mãe e tudo que eu cobrava das mães ao redor do mundo.
Enquanto o paradigma fosse ela, eu nunca seria uma boa mãe.
     Até que eu entendi que eu tinha uma vida muito diferente. Eu não seria ela, mas ainda seria a melhor mãe do meu mundo, se conseguisse descobrir uma nova versão. A mãe que eu, Caroline, poderia ser: trabalhando no que eu adoro, estudando, tendo tempo para me cuidar, delegando as responsabilidades que cabiam ao pai também, contratando a ajuda necessária, fazendo muitas escolhas diferentes, mas com ela ao meu lado. Muitas vezes o comentário dela soava como uma crítica (como quando fui fazer um curso de sábado inteiro na licença maternidade), mas eu decidi ouvir como mera opinião. Só em saber que ela estava ali, já sabia que poderia me aventurar na minha maternidade, poderia escolher o que quisesse, se nada mais desse certo ela estava ali comigo. Quando a presença dela era só aconchego e paz, o que mais poderia dar errado? 
     Encontramos uma nova maneira de nos relacionar, menos perfeita e mais cúmplice, mais próximas do que nunca, porque afinal tornar-se mãe é compreender os perrengues que ela passou e vc nunca percebeu.
     Não é fácil para ninguém, mas quem consegue elaborar a relação com a mãe, sem dúvida parte para a maternidade com a generosidade necessária para não julgar nunca mais mãe nenhuma. 

Obs: Hoje o Miguel tem oito anos e o Thiago 5, a gente vive se deparando com um ou outro desafio pelo caminho (como essa pandemia, aliás) e eles falam mesmo tudo que pensam...inclusive se mudam pra casa da vó de vez em quando no sábado e voltam só no domingo, agora eles são o espelho em que me miro como mãe...mas aí já um papo pra outro post.



Para entender Brasil!

     Há momentos na vida que a realidade nos parece tão incompreensível que o melhor a fazer é admitir que não estamos acompanhando o grupo, como no WhatsApp, e parar para procurar a informação. O Brasil me fez admitir que eu tenho uma limitação realmente, eu não consigo acompanhar a rapidez com que as coisas vão degringolando...
       Eu acredito na democracia, então, ganhe quem ganhe nas eleições, eu rezo pra dar certo e peço a Deus que ilumine nossas vidas pelos próximos 4 anos.
       Não sou petista roxa, não sou bolsominion.
     Eu sou aquela que votou um dia no PT, ficou decepcionada durante o governo Dilma, votou na Marina, que nunca ganha, mas tudo bem...votou em branco porque achava o segundo turno uma tristeza entre o ruim e o pior ainda.
      Para minha surpresa ganhou o pior ainda e, agora, sou aquela que conta os dias para a próxima eleição, na fé de que teremos melhores opções. Mas seja lá onde vc se situe nessa vida, se tem alguma coisa em comum comigo é que nós podemos buscar informação, podemos crescer com tudo que estamos vivenciando. Passar por essa experiência coletiva de fragilidade da democracia, nos irmanou na tarefa de sermos melhores eleitores no futuro.
       A única coisa que pode nos tirar dessa situação difícil é a informação.
       Eu sigo buscando sempre.
    Nessa busca, comprei um livro no início do ano passado que só terminei de ler agora na quarentena.
     O "Elite do Atraso" do Jessé Souza, da editora Leda, é um livro fácil de ler, até porque os acontecimentos mais recentes estão frescos na memórias, as notícias, as investigações da lava-jato citadas, tudo ainda em desenvolvimento...é como se a gente fosse ligando os pontos ao longo da leitura.
        Conforme fui avançando fui pensando que era um livro pra entender o Brasil mesmo, mas quase tão didático quanto um desenho. Não dava para ser mais claro.
Não concordo com tudo literalmente, especialmente, no que toca aos eleitores da Marina, rsrsrs...mas grande parte do livro traduz em palavras uma sensação que eu tinha e não sabia explicar: a de que precisamos falar dos nossos preconceitos, identificar nosso passado escravocrata e como ele ainda nos define, como sociedade.
          Não falamos o suficiente sobre isso.
       Esse livro deixou muito claro para mim que o problema não é simplesmente a corrupção. É muito mais que isso. É a naturalidade com que a desigualdade continua nos arrastando para uma realidade triste de exclusão, de desvalorização de toda uma camada da população. 
Eu me vi naquela classe média retratada ali no livro, a gente vai vivendo e não se dá conta do quanto contribui para as coisas permanecerem como estão há séculos...ignoramos no nosso dia a dia o quão pior a vida está para um monte de gente. 
         Gente que passa pela gente, gente que entra na nossa casa, gente de quem a gente gosta muito.
         Há que se pensar na redução das desigualdades em qualquer governo.
        Isso tem que ser pauta de todo mundo, porque não é possível pensar num futuro do Brasil sem um ponto de partida equânime, um mínimo existencial para todos. Incluir as pessoas é dar a todos o básico de qualidade, os instrumentos que a tornem capaz de ser o que quiser. 
         É preciso reconhecer que todos são passíveis de erro, mas um governo não se avalia só pelo que fez de ruim, é preciso reconhecer as iniciativas de inclusão social e amplia-las cada vez mais, independentemente de onde partiram. 
       Esta crise mundial gerada pela pandemia provavelmente só vai agravar essas desigualdades e nesses momentos é o Estado que tem que garantir o mínimo, ele tem que se fazer presente para os mais vulneráveis, apoiar os pequenos empreendedores, o setor dos serviços...
         Neste momento em que se reclama tanto do tamanho do Estado, das despesas com funcionários públicos, o que vejo é a importância destes funcionários para a nossa própria sobrevivência. Viva o SUS e os servidores que o integram. Vida longa a todos os serviços públicos que continuam funcionando online, muitos ampliando a sua capacidade de teletrabalho, como o tribunal do trabalho, tentando dar efetividade aos direitos dos trabalhadores nesse momento difícil, com tantas demissões.
Espero que isso tudo sirva pra gente refletir sobre o papel do Estado, sobre como ele é muito maior do que a corrupção de um ou outro. Ele é o instrumento para a sociedade que quisermos ser. 
         Toda crise é uma oportunidade de mudança e aprendizado.
         Vamos aprender o que precisamos, para nos tornarmos o que sonhamos.