domingo, 15 de maio de 2011

Lendo sobre o caminho de Santiago



Tendo em vista a proximidade de minhas férias (uhhhuuuu!!!), a ansiedade (minha velha conhecida) bate à minha porta, claro! Para mantê-la sob controle vigiado não tem outro jeito a não ser ler tudo a respeito do meu próximo destino, assim ela se distrai e pára de me atormentar! Eis que dia 24 de junho embarco para Madri e, depois de dois dias (para me refazer do jet lag, porque também sou filha de Deus!), vou de trem para Pamplona e, de lá, pego um ônibus para Roncesvalles. Isso porque nesta pequena cidade, bem perto da fronteira entre Espanha e França, terá início o meu caminho de Santiago. Digo “meu”, assim meio possessivo, porque ele é assim mesmo, pessoal e intransferível...cada um faz o seu, partindo de inúmeros pontos, através de pelo menos cinco rotas diferentes (pelo que sei existem: o caminho francês, português, aragonês, rota primitiva e rota da prata). Devo ressaltar que cada uma destas opções tem atrativos muito peculiares e só a escolha de por onde começar e que rota seguir já foi um parto, porque meu lado turista profissional queria ver tudo, passear por todos os lugares, conhecer todas as rotas, o que por motivos óbvios seria impossível...a menos que a presidenta Dilma resolva dar a todo servidor público uns seis meses de férias! E seria pouco...hahahaha. Bem, além da limitação temporal havia também um fator muito relevante na minha escolha: a distância a ser percorrida. Acho que esqueci de mencionar que o caminho deve ser feito a pé, pois é, andando, passo a passo, sem trapacear (nada de ônibus, carona, etc...), afinal, é uma peregrinação religiosa em busca de autoconhecimento, então, em última análise, não tem cabimento trapacear, porque seria mentir para si mesmo. Depois de considerar todas as opções, decidi: vou fazer o caminho francês, a partir da primeira cidade espanhola - foi assim que cheguei a Roncesvalles! - Então, terei pela frente mais de 700km de caminhada, a serem percorridos em 28 dias (no máximo!), no auge do verão espanhol (temperatura média 38 graus). Não estou bem certa de que esta foi uma sábia decisão, mas acho que vou descobrir em breve... Por outro lado, tenho praticamente certeza de que esta é a melhor coisa que poderia fazer por mim, pelo menos isso, né?! Rsrsrsrs... Sei disso, porque conheço esse caminho de outros carnavais, desde uns quinze anos, mais ou menos, quando minha mãe resolveu fazer aulas de tarot e a professora ( muito querida, tia Miriam)  promoveu uma palestra sobre o assunto com um de seus alunos que já tinha andado por lá. Resumindo: fui de incherida e adorei, fiquei seduzida pela aura de mistério que envolve esse caminho percorrido desde o séc. XII por milhares de pessoas, até alguns santos, como São Francisco de Assis. Naquele momento, o caminho representava minha sonhada liberdade, meu ímpeto aventureiro muito contido pelo cabresto do meu pai (salvo uma ou outra escapada que ele nem desconfia...hihihihi), enfim, a mulher que queria me tornar, mas não sabia como. Hoje, percebo que naquele momento não faria o caminho pelos motivos certos e sou grata por estar diante dele só agora, quando percebo nesta rota um significado muito maior que minha autoafirmação. Sinto que ele pode resgatar em mim aquela centelha divina que todos carregamos, mesmo que escondida sob tantas camadas de verniz social, de stress pela busca do próprio sustento e das preocupações tão superficiais com a aparência. Penso que há um determinado ponto da vida em que somos convidados a desenvolver novas virtudes, como se ela nos cobrasse um retorno do muito que nos oferece. Um convite assim é, simplesmente, irrecusável. Quando Jesus nos diz buscai e achareis, ou no dizer de Sócrates “conhece-te a ti mesmo”, espera algo mais de cada um de nós do que apenas um reflexo de costumes e convenções sociais. Cada pessoa é responsável não apenas pelo que cativa, mas pelo futuro do nosso planeta. Como modificar o exterior, sem reformar o interior? Em busca da minha reforma íntima, da tarefa que me cabe neste mundo, daquilo que ainda preciso aprender para me tornar um ser humano digno da vida que pretendo levar, lá fui eu...procurar mais informações sobre esta rota de peregrinação. 
Muito já foi escrito a respeito do caminho de Santiago. Minha pesquisa, para início de conversa, teve como princípio básico o ditado do momento: o Google é meu pastor e nada me faltará!! Por ele cheguei ao site www.caminhodesantiago.com, conheci a associação brasileira dos amigos do caminho de santiago (fui a algumas reuniões na Casa de Espanha) e, claro, achei livros e mais livros sobre o tema. Aliás, aproveito para lembrar que o site disponibiliza apostilas cujo download é gratuito e que são super úteis, por serem bem mais objetivas que qualquer livro. E aí vai minha bibliografia que, desde já, recomendo para futuros peregrinos:

SHARP, Ana, A Magia do Caminho Real, 8a. Edição, Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

VELOSO, Guy, Via Láctea: pelos caminhos de Santiago de Compostela, 5a. Edição, São Paulo: Sedna, 2007.

TORRES,  Marilu, Santiago de Compostela via Portugal, 2a. Impressão, São Paulo: Panda Books, 2007.

KERKELING, Hape, Volto Já: minha viagem pelo caminho de Santiago de Compostela, São Paulo: Manole, 2009.

REIS, Sergio, O Caminho de Santiago: uma peregrinação ao campo das estrelas, 10a. Edição, Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2008.

LEFERR, Campo das Estrelas, Petrópolis: Catedral das Letras, 2006.

SINGUL, Francisco, O Caminho de Santiago: a peregrinação ocidental na Idade Média, Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999.

RIPOLLI, Lairton Galaschi, Santiago de Compostela: Manual do Peregrino, Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2008.

Escolhi estilos bem variados, sendo os quatro primeiros verdadeiras autobiografias, ou seja, narrativas do ponto de vista muito pessoal de quem já fez o caminho ou parte dele, no estilo mochilão mesmo. 
O livro do Guy Veloso traz as fotos tiradas pelo autor ao longo do caminho, o que considero um plus, porque adoro fotografias de paisagens e as dele sāo muito lindas. Os livros do Sergio Reis e do Leferr, apesar de também serem baseados na experiência pessoal de cada autor, trazem mais informações práticas, além de uma descriçāo detalhada sobre os lugares e pontos históricos por que passaram, o que me foi super esclarecedor em alguns pontos (eu tinha muitas dúvidas quanto às distâncias entre os albergues, a viabilidade de atendimento médico e transportes alternativos durante o caminho que acabaram sendo respondidas nestes livros pelos episódios vivenciados ou testemunhados pelos autores) . O livro do Francisco Singul é uma aula de história e, confesso, tive dificuldade de terminar porque achei cansativo, com uma linguagem bem rebuscada, enfim, um estudo do ponto de vista antropológico sobre esta tradicional peregrinação realizada desde a Idade Média, explicando o seu surgimento, a motivação dos peregrinos, a importância do caminho no contexto religioso da época e o que levou à construção da Catedral de Santiago de Compostela. Por fim, o livro do Lairton é o mais indicado para aqueles que buscam informações rápidas, porém precisas sobre como chegar, condições climáticas, equipamento, despesas, albergues, etc... 
Quem já ouviu falar do caminho de Santiago na mídia, em geral, deve estar se perguntando sobre o famoso livro do Paulo Coelho, "O Diário de um Mago", escrito logo após a sua jornada pela Espanha, que gerou toda uma aura de mistério que o autor gosta de cultivar. Este foi o livro que li por último (terminei esta semana), não por acaso, mas sim porque tenho um certo bloqueio com este autor (o que confesso com uma certa vergonha, já que adoro declarar aos sete ventos que sou uma leitora sem preconceito algum…). Há alguns anos, li "O Alquimista" e achei a mensagem bacana, mas nada que compense ler páginas e mais páginas de uma narrativa lenta e repleta de construções questionáveis. Não vou ficar tecendo comentários sobre erros de ortografia ou gramaticais, porque o português perfeito não é o que mais prezo em um livro, nem tenho competência no assunto para atirar a primeira pedra, mas vou direito ao ponto: a temática. Quem, como eu, esperava ler um livro sobre o caminho acaba de ler meio decepcionado, porque este é apenas um cenário para a conquista de um novo grau de compreensão do autor sobre suas aspirações como membro de uma Tradição religiosa da qual faz parte. Ele faz o que chama de " Estranho Caminho de Santiago" guiado por um mestre desta Tradição, no intuito de encontrar a sua espada (um símbolo de ascensão dentro desta Tradição), sendo que para isso recebe os ensinamentos sobre as práticas de RAM, capazes de melhorar a forma como se relaciona com as energias a sua volta, facilitando a sua busca. Acho que minha maior decepção foi perceber que o caminho em si não era o objetivo da jornada, mas algo que pretendia localizar nele… Quase chorei quando ele achou a bendita espada no Cebreiro e tomou um ônibus para Santiago. O livro terminou e ele não fez a parte do caminho que eu acho mais interessante… para mim a história ficou incompleta. Bem, esta foi a minha humilde percepção do livro. No fim das contas, ele me passou a mesma sensação do escrito pela Shirley Maclaine ("O Caminho: Uma jornada do Espírito", da Editora Sextante), parecia que eu estava lendo um estilo literário meio surreal entre a ficção e a autoajuda, em que os propósitos da peregrinação pareciam ir muito além do autoconhecimento através da realização deste caminho. Muito embora estas obras tenham contribuído muito para divulgar a existência desta rota e, portanto, para mante-la viva, fico me perguntando se não induzem as pessoas a uma peregrinação em busca de revelações que não necessariamente acontecem para todos e que talvez fujam da motivação original dos primeiros peregrinos. Penso que revelações acontecem em todo momento, em qualquer lugar, basta ter "olhos para ver e ouvidos para ouvir", não é preciso buscá-las, mas também acho que, seja lá porque motivo for, a realização deste caminho nunca deve ser em vão, algo tão diferente sempre contribui com algo novo em nossas vidas.
O certo é que mesmo lendo muito e pesquisando documentários sobre o assunto as dúvidas que me restaram são aquelas que só posso sanar lá: Serei capaz de andar tanto (uns 30km/dia)? Será preciso algo mais, além do preparo físico, para conseguir chegar a Santiago? O que aguento carregar em apenas uma mochila? O que é indispensável para minha sobrevivência? Até aonde vai a minha capacidade de me adaptar? Será que é mesmo uma questão só de fé? 
Catedral de Santiago de Compostella - foto publicada no Blog "As minhas viagens" de Maria Barros e Diana Gomes


Por enquanto,  esta me parece uma oportunidade de ter um tempo apenas para conhecer a mim mesma; uma chance de repensar meus objetivos, de redescobrir o que realmente me faz feliz, de entrar em contato com meus medos e minhas esperanças, de ouvir o que há de mais divino em cada ser humano: a própria consciência ou intuição. Quem sabe se nesta peregrinação consigo modificar  aquilo que ainda me afasta do verdadeiro caminho do bem??? Espero que sim…

5 comentários:

  1. Carol, adorei o post! Você escreve de uma forma muito agradável à leitura. Quando você estiver lá no Caminho, lembre-se que eu já estou lhe admirando só pela coragem de ir... é muita coragem e determinação! Bravo!!! Acho que deve ser incrível e vou quero muito escutar as histórias publicáveis quando a gente se encontrar.

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  2. Gostei da referência a "meu" caminho. Espero que aceite o convite de dividir comigo no futuro o "nosso" caminho francês. Bjs!

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  3. Meus queridos, vcs me dão força em todo e qualquer caminhar, sempre!! Bjs!!

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  4. Carol, amei esse trecho: "aquela centelha divina que todos carregamos, mesmo que escondida sob tantas camadas de verniz social, de stress pela busca do próprio sustento e das preocupações tão superficiais com a aparência". Espero que vc (re)encontre a sua! Vc sabe que estou super curiosa com essa sua viagem! Quero saber tudinho que vc puder compartilhar!
    As dicas de leituras e todo o post estão devidamente salvos para quando eu conseguir fazer o "meu" caminho. Queria muita ir com vc, mas vou ficar e mandar boas vibrações para te acompanhar! Um beijo grande

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  5. Prima, vou precisar mesmo dessa vibe! Quando chegar na Catedral vou pensar em vc e ao abraçar Santiago vou avisar que vc está vindo... ele espera o seu momento! Bjs!

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