quarta-feira, 28 de março de 2018

Família e bagagens...

Tem autores que escrevem para a gente.
Eles não sabem, nem imaginam o alcance daquela palavra, mas por meio dela escrevem sobre nossas questões, falam de pessoas que lembramos vagamente ou de outros com quem convivemos todos os dias, descrevem lugares que nos são familiares e pintam imagens que temos na memória.
Ler os livros do Francisco Azevedo fez isso comigo, me fez sentir como se ele escrevesse para mim.
Comecei pelo "Arroz de Palma", no final do ano passado, minha leitura de recesso, pra fugir um pouquinho da reforma trabalhista.
A narrativa de um senhor que fala sobre suas memórias, desde a vinda da família de Portugal, até o seu casamento, a família que formou aqui no Brasil, a chegada dos filhos, os desafios e tradições familiares, a forma de lidar com os conflitos de gerações, tudo falava ao meu coração.
Gostei em especial da definição de família que o autor logo no início delineou em comparação com a culinária:

"...Há famílias doces. Outras, meio amargas. Outras, apimentadíssimas. Há também as que não tem gosto de nada  - seriam assim um tipo de "família diet", que você suporta só para manter a linha. Seja como for, família é prato que deve ser servido quente, quentíssimo. Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir".

E assim começa a narrativa dos amores, medos e reuniões de uma família portuguesa que fincou raízes no Brasil. Gente como a gente, cheia de contradições, desejos e culpas, mas que encontra a medida de cada emoção para uma vida feliz.
No início desse ano me deparei com o segundo livro que li dele, "Os novos moradores", editado pela Record. Foi amor à primeira leitura. Já a capa me conquistou. Uma capa amarela, com duas portas idênticas salvo pelo interior escuro de uma e um céu azul brilhante que se vê pela outra. 

Não somos todos assim? Verdadeira dualidade, buscando iluminar nosso interior?

A gente atrai o que precisa ler, como atrai as pessoas com quem precisamos aprender, os amigos que precisamos ajudar, os lugares em que precisamos vivenciar mais alguma coisa...senti isso mais uma vez lendo este livro.
É sobre amor, sobre maneiras de vivenciar o amor, sobre transparência e honestidade, consigo e com o outro, sobre ser livre e deixar livre, aceitando que as pessoas, os amores, as relações mudam mesmo, mas não deixam de ser intensas, muitas vezes à flor da pele, atraindo ou repelindo.

Abri o prefácio ainda na livraria e esse trecho me prendeu:

"...Por instinto de sobrevivência, somos todos caracóis. Vamos nos arrastando lenta e diuturnamente, carregando nossas bagagens secretas. Peso inútil. Até o fim. Tão bom seria, em dia abençoado, nos livrarmos dos velhos baús! Sem temor e sem defesa alguma, diríamos tudo ao outro e, com paciência zen, ouviríamos tudo do outro - as verdades mais sombrias vindo à tona - e, então, sem pôr em balança o certo e o errado, nos absolveríamos reciprocamente com desmedida generosidade, sem cobranças ou penitências. Céus, que alívio nos daríamos! Amores desalgemados, ninguém mais inconfesso a sete chaves. Anda, vem. Vamos sacudir nossos lençóis. Nos revirar, nos traduzir, nos decifrar. Vem, me abraça, me beija, me adentra. É para isso que estamos aqui. Nosso tempo é precioso e nossa carne é nosso ímã: atrai ou repele. Vem, que estamos do lado certo que chama. grudados e imantados, seremos vários, seremos um. E juntos nos libertaremos. Anda, vem. A verdade está tão perto..." 

Saí abraçada com o livro e só larguei quando terminei de ler.

Francisco Azevedo fala pra mim, sobre a minha família apimentada, sobre meus anseios de viver intensamente cada sentimento, verdadeira sobre o que sinto de bom e de ruim. Somos o que somos, se falhos, que ao menos sejamos verdadeiros, para sermos livres. Perto ou longe, o que tem que ser simplesmente é, nosso caminho vai esbarrando em outros, somos de carne e osso, mas se há amor, algo nos traz de volta ao rumo e vamos nos livrando das bagagem inútil para abrir espaço para novas emoções. 

"Os novos moradores" do Francisco Azevedo é para a nova moradora que pede passagem em mim, que redecora os espaços e se desfaz do que não traz alegria, que deixa a luz do céu entrar...

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